colunista do impresso

A missa negra

data-filename="retriever" style="width: 100%;">"Às 17 horas da sexta-feira, 13 de dezembro do ano bissexto de 1968, o marechal Arthur da Costa e Silva, com a pressão a 22 por 13, parou de brincar com palavras cruzadas e desceu a escadaria de mármore do Laranjeiras para presidir o Conselho de Segurança Nacional, reunido à grande mesa de jantar do palácio. Começava uma missa negra". Assim descreveu Elio Gaspari, no segundo dos cinco volumes que compõem a sua extraordinária obra sobre a ditadura militar, a fatídica reunião de nascimento do Ato Institucional nº 5 - a legislação que deu amparo legal aos "anos de chumbo" do regime. O Congresso foi fechado, acabou a liberdade de expressão e o estatuto do habeas corpus foi suspenso.

Quem trouxe esse fantasma de volta foi alguém que só arruma confusão, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. Ele comparou a esquerda atual com a do final dos anos 1960, que promovia sequestros e execuções, e que chegaria um momento, "se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar de uma resposta. Ela pode ser via um novo AI-5". Alguém já disse que nada pode ser odiado, sem ter sido primeiro compreendido. A informação de Eduardo sobre a esquerda equivale a dizer que o que lhe credenciaria a ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos foi sua suposta experiência em ter fritado hambúrgueres durante período em que fez intercâmbio nos EUA. Aliás, nem isso, pois, segundo a revista Época, a lanchonete onde ele afirma ter trabalhado só serve frango frito.

O próprio Elio Gaspari, na sua coluna na Folha de São Paulo (em 3 de novembro), chama a atenção que, no final dos anos 1960, havia também um terrorismo de direita, cujo núcleo clandestino era composto por militares e civis. Não custa lembrar que o último atentado terrorista ocorrido no Brasil, em 1981, foi a bomba do Riocentro, mas ele saiu do DOI-Codi do 1º Exército. Depois dele, a ditadura militar nunca mais seria a mesma. O último general que assumiria o poder (Figueiredo) deixaria o poder pedindo ao povo que o esquecesse.

Qual o objetivo da frase "se a esquerda radicalizar"? Isso não tinha fundamento no final dos anos 1960, muito menos agora. No próprio livro de Gaspari, existe um depoimento do ex-ministro Delfim Netto em que ele afirma que, "naquela época do AI-5 havia muita tensão, mas no fundo era tudo teatro. Havia passeatas, havia descontentamento militar, mas havia sobretudo teatro. Era um teatro para levar ao Ato. Aquela reunião (descrita no primeiro parágrafo) foi pura encenação". Registre-se que, na reunião, apenas o vice-presidente (Pedro Aleixo) foi contra o AI-5. Todos os ministros foram a favor, inclusive o próprio Delfim Netto.

E onde está o radicalismo da esquerda hoje? Ora, a impressão que se tem é que a esquerda hibernou, tal é o seu afastamento do mundo político. O Partido dos Trabalhadores (PT) não consegue mobilizar as massas para a rua contra as reformas. É possível que Lula livre dê um rumo ao partido que carece de lideranças. Mas, a julgar pelo seu comportamento quando ganhou a primeira eleição (2002), o forte de Lula é exatamente a conciliação. Se há radicalismo, este é de direita. Não tem um dia sequer sem que Bolsonaro & filhos não façam algum tipo de provocação. Mas é tudo tão grosseiro que quase ninguém mais leva a sério. O país está virando uma ópera-bufa.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Congratulações Anterior

Congratulações

Encontro de solteirões Próximo

Encontro de solteirões

Colunistas do Impresso